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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Psicanálise, Filosofia e Arte

                 A dificuldade de dizer 'NÃO'       GEOLOGIA          Psicanálise      








PSICANÁLISE E ARTE: ENTRE DESMONTAGENS E REARTICULAÇÕES
(por Ana Luisa Kaminski)


Não é de hoje que se procura encontrar conexões entre Arte e Psicanálise: já Freud, em seus estudos e escritos, estabeleceu relações entre obra de arte e psicanálise, em se tratando de desmontar e recriar mundos e sentidos. Tania Rivera, no texto “Gesto analítico, ato criador. Duchamp com Lacan”, afirma que “a psicanálise não se debruça sobre a arte como um terreno onde aplicar suas teorias, mas em busca de uma verdade sobre o homem de que as obras literárias e artísticas se aproximariam mais do que a ciência”.

A ARTE E O TOQUE INVADEM OS OLHOS, O SABER E OS SENTIDOS!!

A arte, por sua vez, “não procura na psicanálise explicações ou interpretações”, mas talvez uma possa buscar na outra, explorando suas ressonâncias singulares no questionamento contemporâneo sobre o sujeito.(1) Pensando sobre estas conexões, escrevo este texto, no intuito de comparar, aproximar e entrelaçar alguns aspectos destas áreas do conhecimento, tentando apontar para a importância das desmontagens e rearticulações de verdades, signos, idéias e estruturas, propiciadas ao sujeito, pelas práticas da psicanálise e da invenção artística. também Filosófica e existencialista.

No texto “Escritores Criativos e Devaneios” (1908), (2) Freud compreende a obra de arte como substituto do brincar infantil, aproximando o artista ou escritor criativo à criança que, brincando, “cria um mundo próprio reajustando seus elementos de uma forma que lhe agrade, mantendo... uma nítida separação entre seu mundo de fantasia e a realidade”, nos lembra a psicanalista Giovanna Bartucci . No entanto, em “Além do princípio do prazer”, ensaio de Freud de 1920, que termina por estabelecer o conhecido dualismo entre pulsões de vida e pulsões de morte, será essa pulsão de morte, uma vez que não se articula no registro da linguagem, que imporá ao sujeito a necessidade de inscrição no registro da simbolização. A autora observa ainda que, a partir da “necessidade de produzir novos objetos para os circuitos pulsionais, o sujeito realiza rupturas no campo de objetos e símbolos, na visão de mundo constituída, e será exatamente isto que permitirá ao sujeito constituir, construir sua própria realidade de acordo com as leis que eventualmente conheça.”

  

Esta possibilidade de romper com o óbvio e promover a desestagnação e rearticulação dos sentidos, que tanto acontece na criação artística é a mesma prática da Psicanálise, relacionada ao que diz Roberto Harari,  quando aponta a importância de “tentar fazer perceber de modo diferente das associações habituais, mas como algo insólito”, ao discorrer sobre a estranheza e estranhamento, (ostranenie), provocados às vezes pelas obras de arte, e também pelas intervenções analíticas.


Neste livro, Roberto Harari, citando Lacan, lembra que “o intervalo é uma função vigente na direção da cura, de acordo com uma operação regida pela pulsão de morte”. Nesta operação, não se trata de “encher o analisante com novos signos”, diz Harari, mas “sim de confrontar o sem-sentido com a dimensão do vazio”, lembrando que o analista trabalha para promover uma “desconstrução egóica-sígnica”, e afirma ainda que “tanto no discurso literário como no analítico são cruciais os momentos de rareamento, de estranhamento, provocados pela aparição súbita de um significante de efeito inesperado”





Giovanna Bartucci , ainda escrevendo sobre as relações entre arte e psicanálise, observa que o jogo de palavras não é mero artifício retórico, mas uma tentativa de recolher, dar forma e instaurar algum sentido para este tempo, que para além (ou aquém) da linguagem, é ele mesmo um tempo necessário, “um tempo que permite a emergência de um sujeito a partir deste corte, desta fenda, deste rombo, desta cratera, desta violência amorosa e necessária”
que nós humanos denominamos falta.

Assim, diz ela, é que “tanto a experiência psicanalítica, concebida como lugar psíquico de constituição de subjetividade”

A noção de “intervalo” usada por Dorfles, a outros conceitos ligados à arte, literatura e psicanálise, uma vez que parecem evocar ou convergir para a “falta”, a “castração” necessária para que o sujeito possa emergir como desejante.

"O desejo é o que move a humanidade."

O texto “O pensamento do exterior”, escrito em 1966 por Michel Foucault, aborda o espaço vazio da linguagem, e fala sobre uma “experiência do fora”, que seria a abertura de um espaço neutro, onde a linguagem se escoa sem se configurar e sem nada configurar, oscilando entre o fora da origem e da morte, infinitamente a se repetir, sempre a recomeçar.


Lúcia Oliveira Santos, em seu texto “O Ser da Linguagem, a Escritura e a Morte”, tece relações e encontra ressonâncias entre idéias de Blanchot e Foucault, observando que “é neste espaço – o espaço literário onde o sujeito se desfaz, o mundo é suprimido, o ser se dissimula, a obra tende à sua desaparição – que se dá a experiência da linguagem como escritura.” Esta autora lembra que neste texto de Foucault, uma homenagem do mesmo a Blanchot, aparecem estas idéias sobre a linguagem em sua relação com a morte, e a constituição do espaço literário como o “espaço neutro e vazio da linguagem”.

Em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, Clarice Lispector diz: “Nós, os que escrevemos, temos na palavra humana, escrita ou falada, grande mistério que não quero desvendar com meu raciocínio que é frio e lento.
 Tenho que não indagar do mistério para não trair o milagre."(20)



 

"A coisa sem nome"
No conto “Amor”, em Laços de Família, de Clarice Lispector (12), como em outros textos clariceanos, podemos encontrar estas “aberturas” para um “espaço vazio”, silencioso e informe, indomesticável, que lembra o espaço neutro abordado por Blanchot. A escritura clariceana abre a brecha por onde vaza esta sensação de plenitude do não-sentido, permitindo a passagem tanto de personagens quanto de leitores para o estranho existente sob a crosta do cotidiano banal. Segundo Nádia B. Gotlib, em Clarice Lispector o exercício da linguagem funciona como exercício de “nomear o não-nomeável,  e instrumento de “tocar no ponto que não é tocável (13).






E, segundo Benedito Nunes, percebe-se nas obras clariceanas a tentativa de “dizer a coisa sem nome, descortinada no instante do êxtase, e que se entremostra no silêncio intervalar das palavras” :
O sentido do real só é atingido quando a linguagem fracassa em dizê-lo.(14)


Para Lacan, o belo é o último véu que nos protege do real. É um ponto de transposição. Porém, mesmo sendo uma última rede de proteção ao real, há uma exposição a ele e, portanto, o belo na arte sustenta o desejo, ao provocar enternecimento. A arte produz um efeito de regozijo em quem a olha. Este é um efeito singular no sujeito, efeito indizível, intraduzível, intransmissível em totalidade e que, por isso mesmo, comporta o furo do real.(22)


Vários autores já sublinharam que a arte do século XX e a psicanálise, por terem nascido na mesma época, compartilham um mesmo “espírito”, que dividiu o sujeito definitivamente, porém, Ponce vai além disso ao propor que, com o divórcio entre a imagem e o sentido que ocorre na arte moderna, há uma quebra entre a obra de arte, o artista e o espectador, que é olhado pelo objeto artístico, sem que possa lançar mão de um sentido protetor.


Neste ponto, podemos pensar neste estranhamento provocado pela arte, bem como pelas intervenções psicanalíticas, como algo que provoca uma fratura ou o estilhaçamento do eu, a ruptura que permite a emergência do sujeito do desejo, ao propiciar a saída da fixidez do circuito pulsional, promovendo movimento e circulação do desejo, ao instigar o sujeito a produzir algo que o salve do abismo, sejam novas ligações de significantes, sejam rearticulações de sentido, através do rearranjo de seus pedaços e restos, de elos que possam sustentar sua frágil estrutura psíquica, e seu desejo. Assim, arte e psicanálise estão a serviço desta desmontagem do eu, ao mesmo tempo em que, por meio de seus cortes, abrem brechas, fissuras, pequenas fendas para o encontro do sujeito com o real, com das Ding, com o indizível, promovendo as sacudidelas necessárias à reinvenção constante de si e de suas verdades e percursos.



Na fase final do ensino lacaniano, a arte é entendida como quarto elo, ou seja, como algo que possibilita a amarração entre os outros elos do nó borromeano: o imaginário, o simbólico e o real. No Seminário 23, O Sinthoma, Lacan demonstra a importância de que um quarto laço venha realizar a função de manter o enlace entre os registros, como também delimitar a necessária distinção entre eles. De acordo com Lacan, este quarto elo, a arte, evitaria que o sujeito se perdesse no delírio psicótico, na invasão do imaginário. A partir do estudo da escrita de Joyce, Lacan fica “embaraçado” ao perceber que o escritor trabalhava diretamente no real da letra, a partir de novos sentidos que eram construídos, mesmo não sendo estes muito compartilháveis, e deste trabalho, extraía seu gôzo. (24)

Neste caso, Lacan observa que foi a obra, a escrita literária, que funcionou como elo capaz de sustentar a estabilidade psíquica de Joyce, evitando o surto psicótico. Contudo, não apenas a partir da obra, mas do reconhecimento público e da valorização da mesma que lhe adveio, o escritor pôde manter seu equilíbrio psíquico, escrevendo seu nome como sujeito, acredita Lacan. A este quarto elo, Lacan chamou de sinthoma.

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“Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras.”

(CLARICE LISPECTOR, In: Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

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Considerações de Shanti Prema
Agradecimento a Ana Luisa Kamiski por partilhar seu patrimônio intelectual.

OS SENTIDOS ULTRAPASSAM A RAZÃO E PENETRAM NO CORAÇÃO.
A ARTE, A FILOSOFIA E A PSICANÁLISE QUANDO CONECTADOS, INVADEM TODOS OS SENTIDOS DE MANEIRA LÚDICA E COGNITÍVA.
UM INDIVIDUO MEDITATIVO, PERPLEXO  OU EMOCIONADO RESSOA EM ESTADO MENTAL ALTERADO, ILUMINANDO A CONSCIÊNCIA OCULTA.

E é  "tocando a alma", que a PSICANÁLISE fecunda a ARTE, que por sua vez polariza o HOLISMO, que exprime da FILOSOFIA sua verdadeira centelha divina. Indo muito além  da própria fisiologia da mente humana e a criação de novos signos.
Clarice Lispector nomeia de  "A coisa sem nome" ao espaço vazio que existe em cada um de nós.
 "Aquilo que é porque é!" (Protágoras)
A medida de todas as coisas que são por tudo aquilo são.
 "Uma coisa sem nome, sem dono, sem forma." ... Existente numa brecha, numa punsão de morte,
 onde o indivíduo se desfaz, se desconstrói e co-cria.

"NÃO HÁ COMO TRADUZIR A PSICANÁLISE,
SEM ANTES CONCEBER A PRÓPRIA LOUCURA"
A deriva (Nau dos Loucos)


O possivel não é abordagem da Psicanálise.
O ego nasce do que é possivel, do desejo, do prazer contido na falta.
"O 'EU' RENASCE DO IMPOSSIVEL"

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